terça-feira, 14 de junho de 2011

Carta Aberta aos Verdes


Infelizmente a direção estadual de São Paulo acaba de ser novamente

cancelada pelo presidente nacional José Luiz de França Penna.

É uma decisão arbitrária, tomada pela segunda vez em menos de quatro meses,
sem que a Executiva Nacional fosse ouvida e contra as próprias atribuições
estatutárias. O estatuto do Partido Verde prevê mandatos de dois anos e essa
direção que estava em vigor não completou um ano e três meses. Entretanto,
para nosso presidente pouco importa o que está escrito no estatuto, o que

impera são suas vontades.

Mas como funciona esse modelo de nomeação implantado no partido?
Contrariando o estatuto do PV, o presidente define de sua cabeça os prazos
de validade para as direções estaduais, de forma que elas fiquem sob seu
controle.  A cada período os presidentes estaduais têm que ir com o “pires
na mão”, para negociar sua permanência em troca de “bom comportamento”. Esse
mecanismo, além de obscurantista, acentua uma forma de fazer política que
não condiz com as propostas que apresentamos para o século XXI. Me nego a ir
com o pires na mão para negociar com o presidente nacional. É este processo
do “toma lá da cá” que sustenta uma maioria artificial e autoritária na

direção nacional do partido.

Mas quais são os pontos sobre os quais discordamos e levaram o Penna a
cancelar a direção de São Paulo? A atual executiva estadual de São Paulo
atendeu a todos os critérios estabelecidos no plano de metas das eleições de
2010, cumprindo a tarefa de aumentar as bancadas parlamentares, de
contribuir para a eleição de dirigentes e de atingir o quociente mínimo de
5% dos votos válidos. Esta mesma direção apresentou os melhores resultados
eleitorais do PV em todo o Brasil no pleito de 2010, conforme apontam os
seguintes índices percentuais, de acordo com o TSE:

Votação para Deputado Federal (geral):  1.716.592 ; 8,05%

Votação para Deputado Estadual (geral): 1.949.603 9,18%

Votação para Senador: 4.117.634 votos – 11,2%

Votação para Governador: 940.379 votos – 4,13%

Votação para Presidente: 4.865.828 votos – 20,77%

Se a direção de São Paulo apresentou os melhores resultados, cumpriu a árdua
tarefa de eleger dirigentes, e ainda teve o desgaste de cumprir a decisão da
executiva nacional de colocar com prioridade na TV esses candidatos, qual a

razão pela qual ela servia antes e agora não serve mais?

A resposta é simples e caminha em duas direções: a primeira é que a direção
paulista colocou em prática um projeto para democratizar o Partido Verde no
estado, projeto esse que consistia em realizar eleições regionais,
municipais e estaduais. Esse projeto já estava em andamento, pois realizamos
as eleições regionais que foram bem sucedidas. Agora começaríamos as
eleições municipais para que as comissões provisórias se tornassem
diretórios de verdade e depois realizaríamos até agosto deste ano as
eleições para a executiva estadual.  Para garantir a isenção neste processo,
eu já havia renunciado à possibilidade de concorrer à reeleição, pois, se
sou contra a reeleição do Penna há 13 anos no Poder, devo ser o primeiro a

dar o exemplo.

Esse processo de democratização, que foi aceito e festejado por todos os
filiados, que pela primeira vez iriam votar, pelos coordenadores regionais e
pelos presidentes municipais que lotaram a Assembléia Legislativa para
apoiar e aprovar esta idéia, encontra-se totalmente comprometido pela
decisão de cancelamento da direção de São Paulo. Esse comportamento
autoritário faz todo o sentido. Se a onda da democracia pega, daqui a pouco
os filiados passarão a pedir eleições diretas para presidente nacional do
partido.

A segunda razão se refere ao fato de que este presidente que vos escreve, na
única reunião da executiva nacional deste ano, votou contra a proposta de
ampliação automática do mandato da direção nacional sem eleições diretas, no
que foi acompanhado pela ampla maioria dos demais dirigentes estaduais
presentes. Como se não bastasse, organizamos um grupo para debater a
democracia interna, que se denominou “Transição Democrática”. Percorremos os
estados para debater as mudanças no estatuto do Partido Verde, acompanhados
de nossa candidata à Presidência da República Marina Silva. Por onde
passamos, além de resgatar a esperança de todos os filiados, discutimos em
audiências públicas quais eram os principais problemas da nossa carta
interna, nunca ofendendo a direção do partido, apenas reconhecendo que

precisamos de mudanças.

Mesmo com toda esta cautela, em cada estado por onde a Caravana da
Democracia passava, contabilizávamos a baixa de um dirigente que nos
apoiava.  Sem autorização da Executiva Nacional, sem colocar em votação e
nem convocar uma reunião da direção nacional, expurgou os dirigentes
estaduais ligados à Transição Democrática nos estados do Ceará, Mato Grosso

e agora São Paulo.

O cancelamento de São Paulo aconteceu porque o Penna não quer democracia
interna e não deseja construir um projeto autônomo para o partido.
Tornamo-nos mais um partido como os outros, somos reféns do “peemedebismo”,
uma espécie de federação de interesses, cujo desejo maior é entrar em
qualquer governo, independente do conteúdo programático.

A direção do Partido Verde se encastelou: não se reforma e nem deixa se
reformar.  O PV, como todos os Partidos nessa era de desilusão com a
política, está acomodado na tradicional posição de fazer o cerco e a corte
ao poder e, com isso, não nos afirmamos na sociedade. Somos, talvez, o único
partido que poderia fazer essa ponte entre a sociedade e a necessidade de
organização institucional, mas preferimos acentuar os instrumentos da
política tradicional, pois nosso presidente não está antenado com os recados
dados pelos 20 milhões de pessoas que votaram e pediram pelo novo jeito de
fazer política.

A resposta dada àqueles que pedem por mais democracia, mais tolerância aos
que pensam diferente, mais transparência, mais diálogo, mais generosidade
foi a velha e tradicional “canetada do Penna”, ou seja,  a manutenção do
instrumento da provisoriedade para garantir sua tutela e,  infelizmente,  a
não abertura para o processo democrático dentro do PV.

Como diz o Chico Buarque, algumas pessoas têm medo da mudança, eu tenho medo
que as coisas nunca mudem. É uma Penna!

É ESSE O PARTIDO QUE QUEREMOS?

Maurício Brusadin

Ex-Presidente Estadual do Partido Verde do Estado de São Paulo

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A regra interna que criamos

omo muitos animais, repetimos o mesmo comportamento sem nos questionarmos por que estamos agindo assim

Barry Goldman, Los Angeles Times - O Estado de S.Paulo
Jacob é um golden retriever. Como muitos cães dessa raça, sua atividade predileta é buscar e trazer de volta uma bola de tênis. Nós atiramos uma bola, ele a traz de volta e a larga aos nossos pés. Isso pode continuar durante horas. Na verdade, não sabemos quanto tempo isso duraria porque sempre desistimos antes dele.

Mas Jacob às vezes vive um impasse quando fazemos esse jogo na piscina de meus parentes. Isso por causa de duas regras internas fixas que ele possui. A primeira é que ele deve permanecer em terra até chegar o mais perto possível da bola e aí nadar o restante do caminho. A segunda regra é que ele deve entrar na água gradualmente. Ele não saltará da borda.

Isso facilita a brincadeira no Oceano Pacífico, mas a piscina coloca um problema. Se a bola estiver mais perto de uma das bordas da piscina do que está dos degraus, tudo que ele faz é correr até a borda mais próxima, olhar par a bola tremendo de excitação e latir.

Cientistas cognitivos chamam esse tipo de dificuldade de "sphexidade", pelo comportamento da vespa sphex (também conhecida como vespa cavadora) fêmea. Ela aferroa e paralisa um grilo, guarda-o num buraco numa árvore e deposita seus ovos nele. Quando os filhotes de vespa saem dos ovos, eles têm um grilo fresco para comer. Mas a mamãe sphex também tem uma regra interna. Quando traz um grilo para a abertura do buraco, ela sempre entra para dar uma olhada antes de arrastá-lo para lá. Se um pesquisador mover o grilo para alguns centímetros de distância enquanto a sphex está dentro do buraco, ela repetirá o processo, trazendo o grilo de volta à abertura e entrando para dar uma olhada. Se o pesquisador mover o grilo novamente, a vespa repetirá o comportamento. Sua regra interna pede que olhe dentro do buraco antes de arrastar o grilo para dentro, e é isso que ela fará. Se o pesquisador mover o grilo 40 vezes, a sphex repetirá o comportamento 40 vezes. Não sabemos quantas vezes mais ela o faria porque os pesquisadores sempre desistem.

É divertido observar a "sphexidade" em animais. O truque, é claro, é sermos capazes de reconhecê-la em nós mesmos. Quais comportamentos nós, humanos, repetimos sem perceber vezes sem conta por alguma regra interna não questionada? A que circuito de estupidez inteiramente evitável estamos presos? Eis alguns candidatos: Continuamos a pensar que os americanos, por mais loucos que sejam, devem poder comprar armas, por mais letais que sejam. Columbine não teve nenhum efeito. Virginia Tech, nenhum efeito. Lunático após lunático, um assassinato sem sentido após outro, nada muda.

Alguém como Jared Loughner, que não parece saber se está a pé ou montado num cavalo, pode entrar numa loja de artigos esportivos e sair com uma arma semiautomática quase tão facilmente como pode comprar um saquinho de bolas de tênis. Continuamos a acreditar que as empresas podem regular-se a si mesmas.

Gananciosos de Wall Street quase explodem a economia mundial com seus instrumentos financeiros sintéticos insensatos, e nós continuamos a acreditar que a regulamentação pública de mercados financeiros asfixia a inovação. Gastamos centenas de bilhões de dólares em dinheiro do contribuinte para tentar consertar as consequências de suas inovações mais recentes e, no entanto, persistimos na crença de que regulamentar o setor pode ser não americano. Não podemos nem sequer convocar a vontade política para pressionar empresas para reduzirem salários e bônus dos mais egrégios facínoras.

Persistimos despejando sangue e riquezas intermináveis na guerra inútil e interminável às drogas. Após 40 anos, inúmeros bilhões de dólares e incontáveis vidas desperdiçadas na prisão, ainda é mais fácil um adolescente em Detroit comprar um papelote de cocaína do que uma embalagem com seis latas de cerveja. Quanto o crime organizado não terá enriquecido com o fato de as drogas serem ilegais? Quantas crianças não foram mortas nessa guerra?

Continuamos a acreditar - contra toda a lógica, todas as evidências e toda a experiência - que dar dinheiro à indústria de seguros com fins lucrativos é a maneira de prover assistência médica aos pobres e doentes. Não há dinheiro suficiente em assistência médica para instituições sem fins lucrativos fazerem uma tentativa, mas acrescentar uma camada de investidores para remover o topo as fará funcionar.

Continuamos a acreditar nas fantasias de bombas inteligentes, ataques cirúrgicos e guerras limitadas.

E continuamos a imaginar que um governo financiado por lobistas corporativos e dedicado a nenhum princípio superior do que impostos mais baixos vá ser o guardião do interesse público.

Essas ideias não estão funcionando desta vez. Elas não funcionaram na última vez ou na vez anterior a essa. Não sabemos por quê. E estamos todos parados aqui, latindo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É ADVOGADO, MEDIADOR DE DISPUTAS TRABALHISTAS E ESCRITOR

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O massacre da tarja preta


GILBERTO DIMENSTEIN
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/11


O relógio biológico da adolescência é diferente;
o computador está tornando acordar cedo mais difícil


É UM MASSACRE da tarja preta contra crianças e adolescentes brasileiros, levados a tomar desnecessariamente remédios para supostos distúrbios psicológicos. Essa intoxicação tem respaldo de médicos, psicólogos, pais e professores.
Na semana passada, a Folha publicou a descoberta de psiquiatras e neurologistas da USP, Unicamp e Albert Einstein College of Medicine (EUA): 75% das crianças e adolescentes brasileiros que usam medicamentos tarja preta foram diagnosticados erroneamente como portadoras do chamado TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade). A pesquisa será apresentada no final deste mês durante congresso na Alemanha.
Esse abuso bioquímico para controlar atitudes de crianças e adolescentes revela como os adultos têm dificuldade de entender e lidar com as novas gerações e até entender o mundo em que vivemos.

Vive-se num ritmo hiperativo de produção e disseminação de conhecimento. Por conta das redes digitais, as crianças e os adolescentes já nascem conectados e com um pé no mundo. São bombardeados por informações e se sentem aptos a compartilhar e interferir sobre o que veem, ouvem ou sentem. Na era das mídias sociais, todos somos, em certo grau, comunicadores lidando simultaneamente com uma multiplicidade de dados e estímulos.
Saiu recentemente um livro intitulado "Blur" (desfocado em inglês), escrito por Bill Novak, ex-jornalista do "New York" e diretor de um centro de estudos de jornalismo em Harvard, em que se afirma o seguinte: "Em três anos se produziu no século 21 mais do que nos últimos 300 mil anos."

É nesse ambiente que as crianças nascem e são treinadas, quase desde o berço, a jogar videogames cada vez mais velozes e complexos, o que, para muitos cientistas, desenvolve as habilidades cognitivas.
Esse universo hiperativo do virtual valoriza o presente, o agora, o já, tudo imediato, e se esvai com a velocidade de um novo aplicativo. Muito mais difícil ensinar coisas que não têm sentido imediato e que envolvem complexidades.
Existem até novas reações cerebrais. Mas tanta luminosidade das máquinas acaba gerando problemas. Existem evidências científicas mostrando que ficar de noite na frente da luz do computador atrapalha o sono, mexendo nos hormônios. O relógio biológico da adolescência já é naturalmente diferente; o computador está tornando acordar cedo ainda mais complicado.

Por que um estudante, acostumado com a interatividade e compartilhamento de informações, ficará tranquilo numa sala de aula com baixa interatividade, ouvindo o professor despejar conteúdos que não lhe fazem sentido?
Interessante que o Conselho Nacional de Educação tenha lançando, na semana passada, novas diretrizes para que o ensino médio seja estruturado em quatro eixos adaptáveis para cada local: cultura, ciência, tecnologia e trabalho. Além disso, parte das aulas pode ser dada a distância.
É um ensaio de ruptura com o obsoleto. Lembremos que a escola como conhecemos foi criada exatamente no tempo das chaminés, mirando-se na estrutura das indústrias, compartimentalizadas em departamentos separados. Até a sirene veio dali. O que se discute hoje é até que ponto os sistemas de avaliação, evidentemente necessários, não estão baseados na era da chaminé.

Até as universidades mais sofisticadas do mundo estão mudando suas práticas para cultivar seus alunos, estimulando mais a experimentação, montagem de projetos e trabalho em equipe. São desenvolvidos laboratórios apenas para desenvolver o empreendedorismo. Não são poucos os ícones da inovação que não conseguiram acabar seus cursos como Steve Jobs, Paul Allen, Mark Zuckerberg, e por aí vai.

Minha suspeita é de que essa medicação de tarja preta não seja uma solução para tratar um problema que, em muitos casos, é real, mas sim para colocar a disciplina acima da criatividade.
Como dizia Einstein, apontado como portador de distúrbio de atenção, para quem educar é estimular a imaginação ("mais importante do que conhecimento é a imaginação"), loucura é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Quem sabe se ele nascesse hoje não seria mais um medicado com tarja preta.

PS- Estou desenvolvendo aqui, numa parceria entre Harvard e MIT, um projeto que mistura educação, comunicação e urbanismo; seu foco é ajudar a desenvolver comunidades de aprendizagem, na busca de um jeito de fazer das cidades um meio que estimule a imaginação. O projeto entrou no ar na semana passada para colher críticas e sugestões (opencitylabs.org). Agradeço às contribuições dos leitores.